Último jogo da 37ª temporada consecutiva do Maior das Ilhas entre os maiores de Portugal. O Caldeirão despediu-se de uma equipa que voltou a fazer sonhar os devotos do Marítimo. Para esta partida muito especial, o Marítimo apresentou-se com o mesmo onze que trouxe um ponto de Vizela, exceptuando Matheus Costa. O central goleador lesionou-se e foi rendido por Léo Andrade. Vasco Seabra também foi baixa notória. O técnico cumpre um absurdo castigo, depois da absurda expulsão ocorrida em Vizela.

Grandes emoções no Caldeirão. Na Tribuna, lendas vivas da nossa História. A convite da Direcção, alguns dos artífices que conduziram o Marítimo à I Divisão, a 15 de Maio de 1977, assistiram ao jogo e foram ovacionados pelos 4 mil Maritimistas presentes no Estádio. Jamais esquecem esses endiabrados campeões das ilhas que, à sua maneira, soltaram o seu rugido do Ipiranga. Pedro Gomes, o mítico treinador da subida, foi particularmente saudado. Que bonito momento.

E as emoções continuaram a acelerar o compasso cardíaco dos verde-rubros. Arnaldo Freitas, antigo jogador do Marítimo e massagista do clube há mais de 30 anos, realizou o seu último jogo. Homenageado pelo Presidente Rui Fontes em pleno relvado, foi de Arnaldo o simbólico pontapé de saída. Escoltado pelos jogadores, Arnaldo não susteve as lágrimas. O Marítimo agradece-te, Arnaldo. Estás na galeria dos eternos.

Em campo, o Marítimo entrou a mandar, como ditam as leis tácitas do Caldeirão. Posse, boa circulação de bola em busca dos pouco espaços à disposição. Num bloco baixo, o Portimonense demonstrava respeito pelo Leão do Almirante Reis. Clésio, internacional moçambicano que manteve a titularidade no flanco direito, mostrava-se muito interventivo, com subidas constantes. Do outro lado, Vítor Costa e Vidigal mantinham o registo dos últimos jogos: fulgurantes no vaivém e sempre com o maestro Beltrame a ritmar o andamento vivace quanto baste. Rimas da vida: aos 17 minutos, o central algarvio aliviou o esférico e, pela primeira vez na história do novo Caldeirão, a bola foi parar ao camarote no qual se encontravam as glórias de 77. É a força do destino. Pouco depois, brilhante trabalho na direita entre Edgar Costa e Beltrame, com o maestro a esgueirar-se com aquela classe distintiva, antes de desferir um poderoso remate. Merecia melhor sorte o 10 do Marítimo. Ficou na retina a execução técnica ao alcance de poucos.

Enquanto o Marítimo continuava em busca do golo inaugural, Fanatics13, grupo organizado de adeptos, exibia-se em grande. Também fica para a história a presença de adeptos do Portimonense entre os Fanatics, um gesto de solidariedade destes Maritimistas para com a luta dos adeptos algarvios. Lá em baixo, o Marítimo ameaçava e, aos 27 minutos, Joel isolou-se, mas foi incapaz de bater o guardião algarvio. Foi a grande oportunidade do jogo até àquele momento. Respondeu o Portimonense com um livre directo, aos 32 minutos. Miguel Silva susteve o remate de Nakajima. Aos 35, Magik Guitane apareceu: que drible junto à linha final, antes da assistência. Infelizmente, Joel chegou atrasado. Empolgante o jogo. Retaliou o Portimonense, também pelos pés do seu pequeno mágico. Nakajima ganhou metros e disparou fortíssimo. Com Miguel Silva batido, a barra estremeceu. Esteve muito perto de marcar a equipa de Portimão. Ataque e réplica: Aos 39 minutos, Vítor Costa executou um livre que fez o Caldeirão gritar “golo”. Ilusão de óptica, já que a bola roçou as malhas laterais. O intervalo chegou com um empate a zeros. Mais Marítimo perante um adversário que, quando arriscou, criou calafrios a Miguel Silva.

O Marítimo regressou para os últimos 45 minutos da época sem alterações no onze. Orientados por Nuno Diogo, um dos adjuntos de Seabra, as equipas mantiveram a toada: mais bola para o Marítimo, expectante o Portimonense. E foi do Portimonense a primeira boa oportunidade do segundo tempo. Aos 53, em boa posição, Nakajima disparou ao lado. Respondeu o Marítimo com Vidigal a divergir da esquerda para o centro em tabelinhas sucessivas até que o esférico chegou aos pés de Rafik. O francês, em boa posição para alvejar as redes algarvias, preferiu assistir Joel, mas a defensiva contrária leu bem as intenções do francês. Na resposta, o Portimonense voltou a assustar Miguel Silva. A bola passeou-se pela pequena-área do Marítimo, mas Zainadine evitou males maiores.

A equipa técnica verde-rubra sentiu necessidade de mexer. Perto dos 60 minutos, duas substituições: saíram Edgar e Vidigal, rendidos por Henrique e Miguel Sousa. Como sempre, o Capitão mereceu uma ovação especial. Já o país sabe: “É o Xavelha, o nosso capitão é o Xavelha”. Henrique e Miguel Sousa fizeram-se notar de imediato. Coube ao brasileiro um remate acrobático, daquelas belezas que, quando acertam, entram para a História do futebol. Henrique merecia melhor sorte. Entretanto, o árbitro Vítor Ferreira parecia querer mais de si próprio. Lesto a admoestar jogadores do Marítimo, como aconteceu com Rafik, não adoptou o mesmo critério quando Beltrame foi carregado duas vezes. Vítor Ferreira ainda esperou, mas a falta era tão flagrante que o juiz foi obrigado a fazer uso do sopro. O amarelo, no entanto, ficou no bolso. Aos 70 minutos, de novo Joel, de novo isolado, de novo perdulário. Mérito para o guardião, mas o camaronês tinha a obrigação de fazer mais, até porque Rafik estava em posição privilegiada para invadir uma baliza que estaria deserta.

A 15 minutos do fim, Rafik deu o seu lugar a Alipour. O Marítimo voltava a jogar com dois pontas-de-lança. Beltrame, num trabalho defensivo notável, recuperou a bola e saiu a jogar. Como uma flecha, Henrique parecia embalado para bater o recorde mundial dos 50 metros. Isolou-se o brasileiro pela esquerda, depois de ultrapassar todos os defesas. Em esforço, e já na área, o extremo rematou por cima. Que arrancada, senhoras e senhores. Pouco depois, de novo Henrique na jogada colectiva. A bola passou por Clésio, Rossi e Miguel Sousa, antes de surgir o cruzamento de Henrique para Alipour. O iraniano cabeceou com a mira certa, mas fraco. No minuto seguinte, golo do Portimonense. Que desilusão para as hostes madeirenses.

Os rapazes do Almirante Reis reagiram de imediato. Miguel Sousa, pela direita, tirou um cruzamento para um voo de Alipour. Excelentes recursos técnicos do iraniano, mas estava atento o guarda-redes Kosuke. Aos 88 minutos, Pelágio e Xadas renderam Vítor Costa e Beltrame. Que grande jogo do italiano. Se fosse por Beltrame, o Marítimo estaria a ganhar. E por muitos. Entretanto, chegou o tempo de compensação e foi o Portimonense a estar mais perto de marcar, numa altura em que o Marítimo arriscava tudo. Valeu Miguel Silva e o corte de Zainadine.

Fim da história. O Marítimo despediu-se da temporada com uma derrota para amargura de todos os que, no Caldeirão e em todo o lado, nunca deixaram de acreditar na vitória. Perdulários, muito perdulários e infelizes. O Marítimo não merecia perder o jogo, mas ninguém disse que a vida é justa. A sensação de injustiça entre os adeptos justificou a ovação à equipa, com Arnaldo a liderar. Momento arrepiante.

Obrigado, rapazes, pela época tranquila, depois de anos a ensaiar preces até ao último jogo. Obrigado, Maritimistas, pelo apoio inexcedível ao longo desta época marcante para a História do Marítimo.

Saudai o Maior das Ilhas. Até daqui a alguns meses, Maritimistas.